sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Percepções de Professora(o): O Jardim Secreto


Para Abramovich que dedicou a Freire.

Fazer uma reconstrução da vida escolar me fez compreender que a criança entende seus processos de aprendizagem de forma diferente da que o adulto lhe apresenta. E que a escola é mais que um espaço de ensinar e aprender, é um lugar de encontros, reencontros e descobertas subjetivas sobre o mundo de cada um que participa deste.
Minhas recordações estão mais na interação do espaço físico do que com professores e colegas. Inicia-se aos oito anos na primeira série em um colégio do estado E.E.P.S.G. Professor Adolfino Arruda Castanho. Assustador é pensar na estrutura física, salas, imensos corredores, escadarias que levavam ao terceiro andar, pátios, quadras, banheiros, refeitório, pequenos jardins e o encantado bosque que me fazia perder as horas e esquecer que estava na escola.
Era o meu jardim secreto! Conhecia cada espaço e cada ser vivo que habitava ali parecia que me esperavam todos os dias. A entrada discreta não deixava pistas de que naquele abandonado espaço poderia ter o interesse conjugado de uma criança. Era praxe cruzar o pátio deserto e encontrar um adulto com olhar irritado me puxando pelo braço conduzindo-me até a sala de aula. Quem era aquela pessoa? O que dizia? Hoje posso deduzir que se tratava da inspetora. Literalmente sentia com todos os meus sentidos a brusca mudança espacial, de um lugar de encantos e descobertas meu, para um lugar quadrado, frio, fechado e que não compreendia o que significava e mais não me pertencia.
Todos os dias a cartilha me consumia. “Eva viu a uva”; “o bebê baba”; “o dedo dói”. Sim meu dedo doía, hoje tenho calo do esforço e tentativa em aprender a ler e escrever. Edite é uma professora inesquecível! Seu porte físico não recordo, mas seu olhar, suas atitudes estão impregnadas nas gavetas do subconsciente. “Faça de novo!” Que letra horrorosa! ”Leia, Leia... Como não sabe?” “Vá para a fila do abacaxi!” A fila do abacaxi era onde ficavam aqueles julgados e conjurados ao método do repetir quantas vezes fossem necessárias até aprender escrever; ler uma palavra; frase ou atingir a perfeição dos exercícios motores gráficos. Não tenho recordações de afetos, cuidados, interesses pelo o que poderia ser o certo que eu acreditava. Parecia-me que o tempo todo eu era uma pessoa errada, no lugar errado, na hora errada e fazendo o errado. Que sacrifício ganhar “um certo” com a sua caneta azul! Meu caderno era repleto de tinta vermelha com imensos “Xs”, me lembrando o tempo todo que eu estava errada.
Nestas condições só o jardim me interessava. Ângela doce criatura! Como poderei esquecer daquela que significou o que eu mais apreciava. Do jardim secreto meu, tornou-se nosso! Os contos de fadas, as musicas, eram recontados ali nos cenários improvisados e fantasias de jornais. As aulas de ciências, matemática eram contextualizadas nos cenários naturais do espaço. Estar com Ângela era ser cientista mirim. Falava com paixão sobre os insetos, árvores pássaros e ervas daninhas. Compartilha um mundo fora das frias e quadradas paredes da sala de aula. Não me recordo de os cadernos serem manchados com a tinta vermelha da caneta, nem de serem rasgados ou jogados no lixo por causa das orelhas. Lembro-me de uma pele negra, cabelos trançados e um largo sorriso que dizia “o que eu não sei hoje posso aprender amanhã!” Ela nos recordava dessas palavras todos os dias e era um conforto, sabia que estava no lugar, na hora e com a pessoa certa, livre para apreender o que pode ser necessário e significativo a vida escolar.
O jardim secreto hoje, representa mais do que toda aquela beleza perceptível. É a representação do que há de secreto em mãos querendo manipular, experimentar, das percepções infantis que busca incansável apreender e compreender o mundo que a cerca. É o oculto do potencial que há em cada pessoa em desenvolvimento, seja qual for sua idade em interação com diferentes Ciências e áreas do Conhecimento. É o método desconhecido e experimentado pelo docente buscando acertar nas tentativas desse ir e vir dos contextos escolares.
Sonho com a escola da professora Ângela, um lugar aberto a todas as possibilidades de encantar, que olha o aluno vivo, inquieto e participante; com professores que não temam suas duvidas; uma escola viva, posta no mundo e ciente que estamos no século XXI.
Neste sentido nós professores, comunidade escolar e Estado precisamos repensar o processo educacional e tudo que o envolve de forma que seja compreendido que é preciso mais do preparar pessoas para o mercado de trabalho ou lhe apresentar um mero acumulo de informações. Mas para a vida, como uma pessoa inteira, visualizar: sua afetividade; percepções do mundo; seus sentidos; criatividade; crítica; participação; sua identidade cidadã.
A escola é também o lugar possível para que aluno possa ampliar seus referenciais de mundo; encorajar e engajar simultaneamente todas as linguagens (escrita, musical, dramática, cinematográfica, corporal, poética...). Ela pode derrubar as paredes frias e quadradas saindo sempre que possível do referencial lousa, giz, voz e cadernos para um lugar mais significativo, vivo, participativo, compartilhado, aberto, inquieto, dinâmico, flexível, reflexível do nosso cotidiano pedagógico. Fazer da prática docente uma atitude de liberdade no sentido de desmistificar o burocrático do trabalho incansável e insensato que julga, oprime, culpa professores e alunos no processo marginalizado do fracasso escolar. Como desafio reaprender outras formas de se participar do fenômeno educacional, novas relações educativas baseadas no fazer junto com alunos, professores, escola e comunidade: integralizar as Ciências e não compaquitá-las; avaliar os processos educativos não só dos alunos, mas nossa (professores) e deles em comunhão com tudo que envolve o contexto escolar (espaço físico prédio e ambientes; recursos materiais; metodologia; aportes teóricos e filosóficos; o preparo adequado dos funcionários tanto de suas funções quanto no trato das crianças, jovens e adultos que freqüenta a escola); construir o pensamento da realidade heterogênea de mundo, do todo e não só das partes; refletir a pratica educativa para que a escola seja facilitadora na construção da subjetividade dos alunos, para que possam interpretar o mundo em que vive e ser o senhor de sua própria história. Precisamos reaprender a não "coisificar" a nossa história educacional, a nossa pratica, os nossos alunos, a escola em que trabalhamos, a nossa identidade profissional e cidadã. Podemos compreender que tudo que envolve o ser humano são construções e aprendizado constante. Ninguém nasce pronto e acabado, mas com sentidos vivos para a busca de saberes.
O jardim secreto da educação é a escola, um lugar que é muito mais do que uma estrutura de concreto. É um lugar onde alunos, professores e toda a comunidade escolar podem se encantar. É o lugar onde pessoas se encontram, compartilham saberes e repensam, reconstroem o mundo.


Mascara de professora (or)

Não sou carcereira (o)
E nem tenho o dom de carrasca (o)!

Não tenho paciência com as ordens de meu "rei"
Suas escolhas não são sabias!

Sou prisioneira (o) do fracasso humano!
Conduzo pessoas a participarem deste fracasso.
Então qual é a minha profissão?
Fabricar fracassos?
Pessoas que fracassam?

Fracassar é não ter a liberdade de escolha.
O fracasso conduz ao medo
E o medo é uma doença.

A doença mata os seres
Os seres mortos não sabem que morreram.
Mas há cura!
A cura está no valor à vida
Está no significado de ser
Do ser
Estar
Poder
Querer
Escolher
Precisar
Gostar
Fazer parte.

Conduza o homem à liberdade e eu o segurei.

cristinaperonico@gmail.com

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